sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

PRÓLOGO



Deixou escapar um suspiro alto sem querer. Foi o que bastou para que a mulher mais velha ralhasse:

- Você não é paga para sonhar, menina! Termine logo essa limpeza!

Com os olhos muito arregalados, Nora sacudiu o espanador que tinha nas mãos com muito mais velocidade e presteza. A última coisa que queria era que a outra fizesse queixa. Não fazia nem um mês que estava ali, em seu primeiro emprego. Na casa onde sua mãe durante tantos anos havia sido cozinheira. Antes de tê-la. Na verdade, havia deixado o emprego exatamente por estar de “bucho cheio”. História que a mãe nunca lhe contara, apenas juntara fragmentos, buscando alguma pista sobre o próprio pai, de quem a mãe jamais falava e que a menina nunca chegara a conhecer. O pouco que sabia tinha ouvido de forma furtiva, esgueirando-se atrás das portas ou pelos cantos das paredes, quando ninguém lhe notava a presença. Coisa fácil e habitual quando era criança e que havia mudado subitamente... Assim que começou a botar corpo.

- Nora está virando moça.

O padrasto repetiu inúmeras vezes, avaliando-a de cima a baixo, de um jeito diferente. A inocência de Nora tornava impossível compreender o súbito interesse completamente, mas seu instinto era o suficiente para que sentisse uma estranha repulsa e necessidade de se manter longe do homem que nunca lhe dispensara uma palavra ou olhar a vida inteira, e que agora passara a sempre observá-la atentamente.

Nada precisou dizer. A mãe via, percebia e temia pela filha. A única mulher de seus bebês. Precisava protegê-la. Assim sendo, fez o que tinha que fazer. A menina não precisava mais de escola, já conseguia ler, escrever e contar. Era mais do que qualquer um deles era capaz de fazer. Estudar para quê? 

Nora então foi trabalhar como arrumadeira. Em troca de três refeições completas por dia e lanches bastante generosos no meio, um quarto que dividia com a cozinheira e a copeira, e uniformes que eram as primeiras roupas que possuía sem terem sido de outras pessoas antes e que não continham manchas, partes cerzidas ou remendos. O parco salário enviava para a mãe e os meio irmãos. 

“Eles precisam mais do que eu.”

Naquela noite em especial, estava ansiosa, nervosa e feliz. Como nunca antes estivera. Tinha um encontro. Seu primeiro. Com o filho da casa, um moço mais velho do que ela, que parecia um artista de cinema. De manhã cedo o rapaz havia lhe dado um pequeno chocolate com um recheio que Nora não soube identificar, mas que explodiu em sua boca em mil sensações deliciosas e completamente desconhecidas ao seu simplório paladar. 

- Me encontre no jardim depois do jantar, perto das roseiras, e te dou mais.

Foi a promessa dele antes de se afastar.

Nora guardou o papel cuidadosamente. Primeiro nas dobras do avental e mais tarde entre as páginas de seu diário. 

Depois ficou a espera... 

De que seus sonhos românticos, alimentados pelas revistas que lia e as novelas que ouvia na rádio finalmente se concretizassem.

No entanto, a realidade não foi, em nada, poética. Entre assustada e humilhada, tentou desvencilhar-se da boca e das mãos invasoras dele. De nada adiantou chorar e implorar para que parasse, nem repetir soluçando:

- Não! Me solta! Eu não quero!

Sua saia foi levantada e o moço cujas feições já não possuíam mais nada de belas tentou tocá-la... De uma forma que não devia, não podia ser certa.

O grito que a salvou veio de fora:

- Luiz Octávio, o que você está fazendo?

Ao ver a noiva se aproximando, o rapaz imediatamente a soltou e, ainda aos prantos e em completo pavor, Nora caiu no chão, sobre os próprios joelhos.

- Pelo amor de Deus, Eduarda! Você não pode...

O que quer que fosse dizer, se perdeu. Interrompido pela bofetada que levou.

- Eu não posso o quê?

O rapaz levou a mão direita ao rosto e esfregou o lugar onde a noiva o havia acertado:

- Seu comportamento não é o que eu espero de minha futura mulher.

Ela o enfrentou, sustentando o olhar dele... De igual para igual:

- E o seu não é o que eu espero de um ser humano.

Ele piscou, indisfarçavelmente perplexo:

- Quê? Como é?

O sorriso dela continha... Muito mais do que alívio, prazer e felicidade:

- Pode considerar o nosso compromisso desfeito.

Independência.

Segurança.

Superioridade.

Nora nunca tinha visto isso em uma mulher antes.

Da mesma forma extraordinária, os olhos da outra buscaram e encontraram os dela:

- Você está bem?

Nora apenas sacudiu a cabeça aquiescendo, inteiramente incapaz de qualquer outra coisa além de desejar... Ser como ela.

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A história não está completa, disponibilizamos apenas os três primeiros capítulos para degustação. 

postado originalmente em 29 de Janeiro de 2016 às 17:58.

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